segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Natal up-to-date

Em vez da consoada há um baile de máscaras.
Na filial do Banco erigiu-se um Presépio.
Todos estes pastores são jovens tecnocratas
que usarão dominó já na próxima década.

Chega o rei do petróleo a fingir de Rei Mago.
Chega o rei do barulho e conserva-se mudo,
enquanto se não sabe ao certo o resultado
dos que vêm sondar a reacção do público.

Nas palhas do curral ocultam microfones
O lajedo em redor é de pedras da Lua.
Rainhas de beleza vêm de helicóptero
e é provável até que se apresentem nuas.

Eis que surge no céu a estrela prometida.
Mas é para apontar mais um supermercado
onde se vende pão já transformado em cinza
para que o ritual seja muito mais rápido.

Assim a noite passa. E passa tão depressa
que a meia-noite em vós nem se demora um pouco.
Só Jesus no entanto é que não comparece.
Só Jesus afinal não quer nada convosco.

                                       David-Mourão Ferreira

sábado, 13 de dezembro de 2014

Enganei-me

Quando eu era pequenino
A minha mãe sempre me dizia:
Atravessa duas vezes antes de olhar.
Não. Isso era uma canção
De Sérgio Buarque.

                          Paulo José Borges

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Consumption

António Nobre
era um poeta do século dezanove.

Lá na praia da Boa Nova um dia
As petrolíferas poluíram de
Crude crudelíssimo os
Poemas que lhe brotavam diretamente dos
Pulmões.
O que é a fantasia...

O livro mais triste de Portugal
Foi lançado ao mar qual pipeline abissal.

É só.


                              Paulo José Borges

sábado, 18 de outubro de 2014

Poema do I love you

Gosto das árvores
Porque são
Verdedeiras:
Violentam a gravidade
Sem pejo
Atacam o dióxido sem
Contemplações.

E os namorados que
Excisavam as suas cascas
Optam agora por
Cadeados de solidão.

                               Paulo José Borges

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Pai Natal de Agosto

Chorei muito por segundos

Incrédulo só hoje me apercebi
Aqui defronte o apartamento à venda
Faz-me tão triste brevemente.

Um lar desfeito por crise ou morte
Ou nada disto ou má sorte.
Saíram tão apressadamente que o Pai Natal ficou pendurado de costas na balaustrada da varanda

Choro muito como se fosse o cheiro a barbearia.
Porque já não há Natal em agosto.

           
                                 Paulo José Borges

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Claraboia

                                                                     His was an impenetrable darkness              
                                                                                               Joseph Conrad

Saiu para a noite como se
fosse a única.
Mal sabia ele que o negrume
é um mar insondável.

Subiu na vaga,
Imergiu nos espetros submarinos
Que são todas as incógnitas em cada
Aresta de vento.

Húmido de segredo cerrou os olhos
Com toda a força
E mil sóis brilharam ao largo do lamento.

E, por tanto
Vogou.

                       Paulo José Borges, prompted by Rui Cavaleiro:


Poema inesperado






Pum!







             Paulo José Borges

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Poema Secreto

[Em estreia mundial - um poema concebido especificamente para o espaço virtual]

                 
                                     Poema Secreto












(Agora aproxima uma chama do ecrã, pois o poema foi escrito com sumo de limão.
Relê-o.
Entendeste-o agora?


Resposta errada. Não é essa a função da poesia.
Tenta outra vez.)


                   Paulo José Borges

terça-feira, 8 de julho de 2014

Poema tímido

Espreitou-me um verso
A ver se estava alguém.

Corado avistou-me:
diz que já não vem.

            Paulo José Borges

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Plural

                                                                           (a Fernando Pessoa)

Eu próprio de mim mesmo
Sei dois que são prisioneiros
De mais quantos se bem recordo
São milhentos.


                                Paulo José Borges

terça-feira, 10 de junho de 2014

Tanto de meu estado me acho incerto

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco, e nada aperto.

É tudo quanto sinto um desconcerto:
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao céu voando;
Num' hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar um' hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

                                                 Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Há dias

Há dias tinha uma história muito boa para vos
Contar.

Mas nem tudo lembra.


                          Paulo José Borges

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O efeito axo

Acho que me poderia apaixonar pelo teu
Perfume, disse ela sussurrando de soslaio.

Mas eu não estou a usar nenhum, retorqui atónito.

Eu seio.


                            Paulo José Borges

terça-feira, 29 de abril de 2014

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Four / Twenty five (esboço #40)

Abril encarnou na praça
Uma canção cravejada de flores
E o povo saiu à rua
De lágrimas em punho.

O momento respirou fundo a ganhar tempo
E acordaram todos felizes para sempre.


                     Paulo José Borges



quinta-feira, 17 de abril de 2014

POEMA INVADIDO POR ROMANOS de Juan Manuel Roca



Os romanos eram maliciosos.

Encheram a Europa de ruínas
Conjurados com o tempo.

Interessava-lhes o futuro,
Os traços mais do que as pegadas.

Os romanos, Cassandra, eram manhosos.

Não imaginaram o Aqueduto de Segóvia
Como uma conduta de água e de luz.
Pensaram-no como vestígio,
Como um absorto passado.

Semearam de edifícios musgosos a Europa,
De estátuas acéfalas
Engolidas pela glória de Roma.

Não fizeram o Coliseu
Para que os tigres devorassem
Por capricho seu os cristãos,
tão pouco apetecíveis,
Nem para ver trespassados
Como aperitivos do inferno
os exércitos de Espártaco.

Pensaram a sua ruína, uma ruína proporcional
à sombra mordida pelo sol que agoniza.

O meu amigo Dino Campana
Poderia ter saltado à jugular
De um dos seus deuses de mármore.

Os romanos dão muito em que pensar.

Por exemplo,
Num cavalo de bronze
da Piazza Bianca.
No momento de o restaurar,
Ao assomarem à boca aberta,
Encontraram no ventre
esqueletos de pombas.

Como o teu amor,
Que se torna ruína
Quando mais o construo.

O tempo é romano.



de Juan Manuel Roca traduzido por Nuno Júdice in http://bibliotecariodebabel.com/

domingo, 23 de março de 2014

A ponte suspensa

Cada manhã
O rio desponta obcecante.

A tabuleiro estendido, de braços abertos
Serve uma dose mágica de ebulição.

As combustões eletrificam os ares.
E os momentos em suspensão
São dores, espasmos de coisas
Que ainda não são.


                   Paulo José Borges

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                                                              Rui Cavaleiro

sexta-feira, 21 de março de 2014

A felicidade (no dia da poesia)

A felicidade
Cai
No lado errado
Da Sorte.

A felicidade
Cai
Longe das minhas mãos.

A felicidade
despenha-se
entre as árvores

toda a gente se queixa.


                Sam Shepard

segunda-feira, 17 de março de 2014

Reboot

At the end of the day, como diz o outro,
O que há  para nós?

Um cansaço baço, denso, propenso a distensões,
dissensões do ser.

Por inércia não se tem pressa, por inépcia
Se descarrega o tónus, o alor.

Se não se sopesa, se não se vigia, ora...
Monitor going to sleep.


                                  Paulo José Borges

domingo, 9 de março de 2014

Poema com sabor d’agora e pedaços de futuro

e uma pitada de Verão




Vais ouvir se te deres
Conta
Meio avião a ancorar nas rochas,
Meio circo de ilusionistas acrobatas
De segredos,
Meio oceano a estourar-te
Com as ondas nas costas
Onde páras a pensar.

Vais percorrer se te deres
Tempo
Meio sentimento bem voraz
A formigar-te no peito,
Tempestades também às metades
A perfurar-te o impaciente momento
Onde estás a amar.

Vais saborear com todos os dentes
Os frutos sãos e doentes
E agarrar com todas as unhas
Tudo o que te passe pela frente.
Mas de repente,
Ao recordares a stracciatella, o morango,
O chocolate ou o pistacho
Vais querer saber:
De tudo o que encontrei e que perdi
O que é que eu acho?


                            Paulo José Borges

sexta-feira, 7 de março de 2014

Júpiter, o Zeus

Eu não gosto de dar concílios
Mas abro-vos uma excepção:
Quem manda sou eu
Queirais ou não.

Bebe menos, Baco
Deixa os nautas em paz. Se quiserem
Chegar à Índia tanto te faz
Que a tua divindade t' abaste.

E tu, Vénus, não te armes em bela, citereia, serena, sereia
ou o que seja, eia!
Se Roma amas bom gosto te bafeja
Porém, to garanto
O mais nefasto dos castigos, sabe-lo bem,
É o da inveja.

Que não me acordeis, sonegando-me lençóis
Em cadeia.
Os lusos não nos merecem austeros.
Que voguem, naufraguem como se não
Existamos.

Ide, eu vos reconcilio.

(Se for preciso)

                                                            Paulo José Borges

segunda-feira, 3 de março de 2014

De mãos dadas

Foi depois do fim das aulas.
Passaram o portão de ferro da escola
e deram as mãos
para atravessarem a rua.
E, de mãos dadas, formaram
uma corrente
tão poderosa, tão compacta,
que o trânsito teve mesmo de parar
e ficou completamente imobilizado. Não vou ceder
agora à tentação
de afirmar que assisti
à materialização de um milagre,
afinal é coisa
que deve estar sempre a acontecer,
em algum lugar, ao fim
da manhã ou da tarde, logo
depois das aulas,
dois adolescentes dão
as mãos, atravessam a rua, bloqueiam
a circulação rodoviária
de uma cidade.
Mas pensa nisso por um segundo,
pensa na força dessa corrente.
                                      Luís Filipe Parrado

sábado, 15 de fevereiro de 2014

This may come as a complete surprise to you

Amo-te
A mote
Am ote
Amot e
Amote muito.

Amuo-te?
Amolo-te?
Amolgo-te?

Adoro-te
Imploro-te
Agoro-te.




Paulo José Borges


domingo, 2 de fevereiro de 2014

Poema de uma nota só

Repito amiúde a dor
Que abomina.
Reservo energias inexauríveis
Que estilhaçam.

Revolvo mundos paralelos de enganos
Que me deixam
Numa nota: só.


Paulo José Borges