quarta-feira, 22 de junho de 2016

Poema do beijo

 Começou por me dizer que o seu caso era simples – e que se chamava Macário...
Eça de Queirós in «Singularidades de uma rapariga loira»



O meu caso deveria ser simples, embora não me chame
Macário.
Encontrei a rapariga loira despida nos ombros e, sem pestanejar,
- Logo eu que de hesitações me alimento -
Aflorei um dos seus bronzeados ombros com meus lábios diligentes.
Simples.

Não o fiz inocentemente, não o fiz dolosamente. Só simplesmente.

Compreendi mais tarde que a marca do meu inexistente batom
Não lhe saía nem por nada. Uma ferida que nenhum unguento
Cicatrizava.
O chão não tremera, as borboletas não esvoaçaram,
Mas a sua reação foi tão singular que acreditei que aquele beijo sozinho não ia
Ficar.

Anos se passaram (aqui uma ligeira prolepse). Poucos mais beijos foram dados
E levados, mas tatuados ficaram em meus ossos de poeta ultra-romântico.
Se eu pudesse roubava-lhe mais alguns deles, que de mim fizeram cleptomaníaco.

Mas sei que nunca me perdoará, quando em desvario lhe disse:
Vai-te! Vai-te.

                                                            Paulo José Borges


                                                                                                Rui Cavaleiro