terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Discos perdidos

estão a chegar as festas
as boas
põe-se um vinil à lareira
e deixa-se tocar.

que seja uma coisa da época
que seja uma coisa intemporal.

vira o disco e toca o mesmo
e já se passa pelas brasas.
(depois de farto repasto
vem mesmo a calhar.)

volta-se à infância desde o início
pedindo-se de empréstimo olhos
às crianças deste tempo
e tudo volta a girar.

põe-se um vinil à lareira
e ouve-se o crepitar.

quem gosta dos discos antigos
não sabe explicar.
mas desconfio que é o abraço da agulha
traçando os sulcos que é mesmo
uma lareira a lembrar.

põe-se um vinil à lareira
e tu voltas a estar.


                                         Paulo José Borges

áudio por aqui

domingo, 9 de dezembro de 2018

Estado estacionário


                                                                                                     "Two roads diverged in a yellow wood,
                                                                                                     And sorry I could not travel both
                                                                                                     And be one traveler, (...)"
                                                                                                                  Robert Frost



Sabes que mais:
não gosto nada de encruzilhadas
nem de entroncamentos
e as bifurcações são a língua afiada 
das serpentes e não é coisa bonita 
de se ver.

As encruzilhadas estão sempre
aí ao virar da esquina, esfíngicas,
mas com um senão:
os enigmas que nos colocam são só 
silêncios. Fazem da mudez interrogação.

As encruzilhadas são encruzilhadas 
de encruzilhadas
e isso faz-me toda a indiferença.

As encruzilhadas são o clima mais
desértico do mundo, por vezes subitamente
pontuado por multas das brigadas de
trânsito que abominam o isolamento
tanto quanto tu e eu.

A linguagem da encruzilhada, se eu a entendesse,
seria quase indecifrável como a caligrafia
de aluno pouco escorado em conhecimento
em dia de teste
com o tempo contado.

Desconfio, não sei se concordas comigo,
que quem entender a língua da encruzilhada
deve ser fluente em desesperanto.

                                                                               Paulo José Borges



sábado, 24 de novembro de 2018

Aviso

                                                                               

"Guerra é paz. Liberdade é escravidão. 
Ignorância é força."
          George Orwell, 1984



Por razões de higiene
Não se aceitam revoluções.





                   Paulo José Borges

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A parábola ineficaz

Eu um dia marquei
um golo de longe
mas ninguém se lembra disso.

A bola descreveu um arco
tão largo que quando
cruzou a linha de golo
já todos entravam em sua casa.



               Paulo José Borges

domingo, 7 de outubro de 2018

Eurídice de Campanhã


À barca, à barca segura,
barca bem guarnecida,
à barca, à barca da vida!
Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente.


Se porventura conceberes a ideia de
a ires levar à estação,
não temas Caronte -
- paga-lhe o óbolo em lágrimas de ferro.

No cais, como mortos, muitos esperam
o seu destino. Uns entram sem mais delongas,
despachando os entes queridos sem malas 
a abanar. Outros entram alijando o lastro
e saem de novo como que enredados em
pesca de cerco. Os últimos, como que
desmemoriados, fazem vagas contas de
cabeça, indagando se será ainda 
possível reaver o dinheiro da passagem.

Mas o homem do leme é implacável
e levanta o mastro encarnado para que
a barca levante ferro, (como as lágrimas,
não esqueças.)

É tempo de te armares guerreiro,
de sorrires com todas as cores,
porque, no fim de contas, não és tu 
quem vai em campanha para o estrangeiro.
(Tu ficas no cais, não sejas parvo, 
não baralhes os papéis.)
Sustenta a oxidada neblina que te toldar 
os olhos quando a saída do comboio
for de um longo e largo comprimento.

Tempos mais tarde, se fores favorecido
pela potência da lírica, atravessarás
os portões de ferro e, no final da
tua fabulosa tournée, trá-la-ás contigo.
(Leva palas.)

                                         Paulo José Borges

Para saberes a que soa uma partida clica aqui.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Ti voglio bene

Quero-te bem e
por isso quero-te bem.

Quero-te com saúde e
quero-te.

Quero-te feliz e
quero-te.

Quero-te realizada nas
mil e uma coisas com
que preenches os teus dias e
quero-te.

Quero-te completamente livre e
quero-te.

Mas sobretudo,
não sei se me faço entender,
quero-te bem.


                         Paulo José Borges

para escutar clica aqui.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O outro prado




Tragam-me árvores daí de cima
e ramos e folhas
um ou outro fruto e um pássaro esporádico
e estendam-me um prado
de sombras frondosas que eu não gosto
de sol directo.

Tragam-me uma brisa quase tépida que
eu não aprecio vento pelas costas
e dêem-me uma ideia de rio
e uma sensação de ponte
que me ofereça um plano
de fuga para outro prado.

Estendam-me uma espreguiçadeira
no verde de uma casa que tive um dia
e fecho os olhos e vejo as
nuvens previsíveis e inéditas
e adormeço no silêncio preenchido
que vem cá de baixo.

                                              Paulo José Borges

para ouvires clica aqui.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

As duas estações

Da primeira vez que chegou à estação
vinha amarrotado do sono
mas espaireceu-o como quem sacode
uma fina camada de caspa
e seguiu com os amigos para o verão.

Da segunda vez anos mais tarde
já não se apeou do comboio na estação
mas desceu do autocarro todo
enrodilhado do enjoo.

A estação deixara de ser cais.
Tornara-se cemitério de passos
de lágrimas e risos
de partidas e chegadas
idas e vindas de almas permanentemente
alvoroçadas.
Nem locomotivas nem automotoras
nem carruagens nem vagões
nem carris nem travessas de madeira
que tanta falta faziam às caminhadas
junto à praia.
Sobrara apenas um edifício da estação
que vendia alimentos com a mesmíssima
e generosa fuligem de outrora.

E então pensou
se piso este solo abandonado não o profano?
se dou um passo hesitante não posso
ser trucidado por um comboio irremediavelmente
atrasado?

E então a desolação
desceu-lhe do peito às entranhas
como quando ela um dia deixou
de lhe telefonar, de lhe falar no messenger
de lhe responder aos emails
quando ao fim e ao cabo tornou obsoletas
todas as vias de comunicação.

                                                  Paulo José Borges


para ouvires a correspondência segue por aqui



domingo, 2 de setembro de 2018

É tudo (ainda assim) tão claro

as minhas rugas
que tu sulcas ainda mais
a minha pele já com esparsos
pigmentos acastanhados
o meu cabelo que cada vez menos
poderás despentear
e o branco que ele me está
desde aqui há atrasado a ficar

o abdómen arrastado
o sorriso amarelado
e a vista
cansada cansada
exaurida se quiseres
que não muda nem por nada


                        Paulo José Borges

domingo, 19 de agosto de 2018

Tem calma


Não entres em pânico
E sobretudo não tenhas medo.

                Paulo José Borges


terça-feira, 14 de agosto de 2018

Contabilidade

Num diário
escreve-se quase sempre
intermitentemente
uma espécie de deve e haver
um exame de consciência
uma conta corrente.
Mas quando não se é bom
a contas
uma pessoa sente-se a perder.

Excessivamente grave seria
porém
tarde demais descobrir
que se é rico a valer.

                          Paulo José Borges

Poema da paciência

a vítima dos sabeus
dos caldeus e da tormenta
tinha sete filhos e
três filhas mas
depois já não os tinha.
rasgou a túnica
cobriu-se de lepra que raspou
com caco de telha
e tinha três amigos
que rasgaram as túnicas e
ficaram sete dias consigo.

depois voltou a ter sete
filhos e três filhas
e duas mais vezes do que tivera
e quatro gerações mais o viram
prosperar.

rasgar as vestes
colar-se ao chão
imitar sementes
e suspender a compreensão?
ou
lançar impropérios, imprecações
antes e depois de O increpar alto e bom som?

voltou a ter sete
filhos e três filhas
e duas mais vezes do que tivera
e quatro gerações mais o viram
prosperar.
é obra, ó Job.


                                        Paulo José Borges

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Clepsidra vedada

de nenhuma espera abdicarei
de nenhuma pergunta por responder
de nenhum enigma por decifrar

de nenhuma espera abdicarei
de nenhum passado que aqui chegar
de nenhum alvo que hei de falhar
de nenhum presente que custe a passar
de nenhum porvir que não cesse de encruzilhar

esperarei no silêncio até quando
for hora de parar até quando
ele for a resposta que tinhas para me dar

de nenhuma espera abdicarei
mas ao menos podias avisar


                             Paulo José Borges


clica aqui para ouvires o silêncio.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Amanhã também é dia

Com um bocadinho de
sorte pode acontecer que
nunca te estragues
que te conserves
que ludibries a oxidação.
É só uma questão de entrares
em modo economia:
ficas em stand-by
suspensão e em casos extremos
hibernação.

(Compreendo bem a perplexidade
com que observas pessoas
que caminham em tapetes rolantes:
como é que é possível
tanto desperdício de energia?)

O ideal era uma redoma
uma bolha protectora
um banho-maria prolongado
que atrasasse a tua
obsolescência programada.

Ou então que por via
de um insondável erro de formatação
pudesses viver para sempre
estagnado
em cinza
congelado.

                                                   Paulo José Borges

áudio aqui.


domingo, 22 de julho de 2018

Poema do tipo interrogativo

sabes que me está a apetecer
muito gostar de ti.

e a querer aprender-te
os cheiros e a que temperatura respira
a tua pele.

e a pretender sincronizar o meu calendário com
o teu e os com passos.

e a desejar ler-te o que resta do
livro da vida que se quiseres
ainda nem sequer começou.

sabes que o teu sorriso contagia
o meu como se tudo fosse.

e que intuo que fomos refeitos
um para o outro.

e que já nem sei pôr o intenso
por extenso
nem como resolver esta estrofe sem refrão.

achas bem.
achas bem.


                                                         Paulo José Borges


ouve aqui com todos os pontos de interrogação.




segunda-feira, 9 de julho de 2018

Poema prêt-à-porter



Como aroma a roupa acabada de estrear
não quero lavar-me de ti.

Só peço que
a tua essência em mim não seja mal
impregnada.



                                 Paulo José Borges

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Eu saio sozinho

não repitas sempre
os mesmos gestos:
é feio.

não dês sempre
os mesmos passos:
ficas a marcá-los.

não escolhas sempre
os mesmos trilhos:
ainda te magoas
encravado.

não ensaies tantas vezes
o mesmo ato:
ao saíres de cena
ninguém tolera
o espalhafato.

                                     
                 Paulo José Borges

clica aqui para ouvires.



quarta-feira, 30 de maio de 2018

Tão certo

tão certo quanto
começar a chover quando
ponderadamente levei
meses a decidir lavar o carro

tão certo quanto
confundirem a minha
desinteressada bondade
com declarada falta de firmeza

tão certo quanto
quem nunca se empenhou
um momento
seja o primeiro a pedir contas

tão certo quanto
conspurcarem imperiosamente
aquilo que acabei de limpar

é o meu amor por ti
tanto quanto o daquela fotografia
onde nos fixámos os dois.


                                                       Paulo José Borges


clica aqui para ouvires

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Como nos filmes

Quando apareceste
(até me vem o sorriso aos olhos)
senti-te logo como o calor da
terra quente que nos sai ao
caminho logo pela manhã.

De soslaio meti-te logo
no bolso de dentro e levantei a gola
para me convencer do disfarce.
Tudo ali tinha tudo para ser
um lugar inusitado
mas talvez por isso o teu olhar
se tenha emaranhado todo no meu.
Sim foi por isso que não consegui
desfiar
o olhar.

Mas o grande mistério do mundo
é que quisesses livre e deliberada
vir habitar o meu forro
sem prazo e questionamento.

Levei-te para o meu quarto
de hotel
como nos filmes
onde com pouquíssima roupa
qual conluiada com Vénus (dos amores)
olhavas da janela as ilhas
de gentes lá em baixo (e os rumores).

O que me massacrava as meninges
apertadas em torniquete era a pergunta de
Sophia: que faria eu com a tua inocência?

Virámos entretanto a cidade do avesso
escolhi alcatifas à distância
tirei fotografias de conveniência
e quando tudo podia ter acontecido
porque éramos guardiões do nosso exclusivo
tempo e porque
o que quer que fizéssemos seria justo e certo
fizemos o que nos pareceu justo e certo:
desejámo-nos sorte, coisas boas e
memória eterna.

Depois encontrei-te já de táxi
como nos filmes
saí para o meio da multidão
sussurrei-te ao ouvido um
beijo escarlate e só muito mais tarde
me lembrei do casaco.


                                               Paulo José Borges

clica aqui para ouvires.


sexta-feira, 4 de maio de 2018

Poema da eloquência

Começa assim:





























                                                                 Paulo José Borges

sábado, 21 de abril de 2018

Poema do teu lado

                                                                               João 19:34

Do teu lado
                 sei de água;
Do teu lado
                 sei de sangue:

Vida que não estanca
por dentro e por fora,
para sempre e agora.

Do teu lado
                  adivinho o caminho;
Do teu lado
                  adivinho a porta:

Vida que não estanca
por dentro e por fora,
para sempre e agora.

Do teu lado
                 fito a verdade;
Do teu lado
                 faz-se luz:

Vida que não estanca
por dentro e por fora,
para sempre é a hora.

                                                       Paulo José Borges





sexta-feira, 20 de abril de 2018

Poema engenhoso

quando gostares de pontes
admirarás o seu largo vão.
deixar-te-ás seduzir pela balaustrada de pilares
embebidos no fundo do chão.

haverá seguramente derrapagens
e talvez transites com abrandamentos
e resistências.

mas quando te sobrelevares das águas
não esquecerás os ramais de acesso
as vias de escoamento
e tudo o mais que te permita
chegar ao destino sem nós.



                                                 Paulo José Borges


para ouvires clica aqui.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

A árvore do canto

É funda a imobilidade que me tolhe
E se o meu sentimento é vasto
não há quem por ele olhe.

Eu não me movo e nem me interessa.
Basta que me sustente o lamento
ou que eu ganhe juízo pois tenho tempo.

E por fim chove secamente.

As pétalas dos ramos escorrem sem pressa
que eu sou uma árvore nodosa
com a garganta presa.



                                                                                     12 de dezembro de 2000
                                                                                           Paulo José Borges

sábado, 7 de abril de 2018

Guerra aberta

Uma febre densa levanta-se cedo
São horas de guerrear o amanhã
Combate-se corpo a corpo com o medo
E com os oráculos mais lúgubres que há.

As vitórias bélicas trazem perdas
Nem os guerreiros mais bravos dissipam o perigo
Morre-se fatalmente por prados e veredas
Ninguém estanca a dor que traz consigo.



                                                                                      6 de janeiro de 2000
                                                                                         Paulo José Borges

segunda-feira, 26 de março de 2018

Poema quase esquecido

E já não me lembro de quase nada.

No café havia um
homem que engraxava sapatos
nos intervalos de arrumar cadeiras
que endireitava assim que os clientes
as deixavam tortas
e rodava o café dezenas de vezes
como num circo romano até
que se desse por satisfeito
ajustando imperceptíveis desalinhos.
A gente ria-se um pouco no meio
do receio          desconhecido.

Mais à esquerda na outra esquina
via-se um homem com farta melena
agarrar o seu crânio com ambas as mãos
como se o estivesse a (des)atarraxar no meio
do receio          desconhecido.

E já não me lembro de quase nada.

Recordo que às vezes desatava
a cantar para ti a capella
no meio de um campo mesmo
que não me lembrasse do teu nome
nem sequer da tua face.
Coisa rara ouvires estranhos a cantar.
Tu não existes.
E de cantar outra vez para quatro ou cinco
sem pré-aviso
tinha eu idade para ter juízo.

(Lembro-me de por esta altura ser o narrador da
Paixão.)

E já não me lembro de quase nada.

Nem do nome do livro que tinha enredo
num país gelado
com capa azul e branca que um dia
alguém deu a um pobrezinho
coitado.

Mas já não me lembro de quase nada.

Porque cantava? Porque me lembro dele
sempre que arrumo cadeiras? Porque
me lembrava do outro quando eu estava
doente da cabeça? (Porque me ouvias
às meias horas?) Porque quero o
livro que perdi na infância quando
sei que o vou enfiar num caixote
assim que o encontrar?

Perguntas que poderiam muito bem
tirar-me o sono
não se desse o caso de
não me lembrar de quase nada.


                                                                          Paulo José Borges


para clicar escuta aqui ;)






quarta-feira, 21 de março de 2018

Dissonante (com Nuno Miguel Morais)




E eis que tudo é impuro quando o amor é um nocturno desconcertante
E eis que é fosso escuro que eu te acorde dissonante.
As mãos como relâmpagos indiferentes
De procelas urgentes de garras mal cortadas.
São águas gélidas o nosso amor nas eternas alvoradas
São águas mal passadas nas eternas alvoradas do nosso torpor.
Que fazer quando em nós apenas delírio e sofrimento
Que fazer quando me faz espécie a tua teoria da evolução do ressentimento?
E eis que do nada uma imaculada carícia
rebenta tecidos em necrose que nutriste como guardião perfilado
Somos um só vencidos no deslumbramento do amor naufragado.


 Nuno Miguel Morais e Paulo José Borges

segunda-feira, 12 de março de 2018

Poema da flatline

um dia destes acordei
tão

em
baixo

que pensei que me tinha
morrido nos braços.

foi então que aconteceu
um rigoroso
nada.


                                       Paulo José Borges

domingo, 4 de março de 2018

Poema da porta das decisões

caminhos e atalhos
alhos e bugalhos
veredas e alamedas
asfaltos e cascalhos.

ruas, avenidas e vielas
paralelos, macadames, britas
terra batida, fim da picada.

rumos, rotas, planos
curva e contracurva
subidas e descidas
vê nos calços os danos.

alhos e bugalhos
ou sim ou sopas
viajas o no viajas?
si no viajas estás molestando.


                                         Paulo José Borges

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Poema ainda sem nome

é já no próximo dia 14
que não vai acontecer absolutamente nada
por isso sinto muita vontade
de aquecer-te esquecer-te.

recordo muito o que vai ser
ao sentir-te o calor à flor da pele
os arrepios de cílios e
os estremecimentos involuntários
a sonhar-te com os olhos
a tocar-te nos lados.

(às vezes parece que existes
às vezes pareço o que desejas)

podíamos combinar não podíamos?
programávamos tudo perfeitamente
ao acaso
seguíamos urgentemente
passo a passo.

promete-me só que cortas as unhas rentes

looking fast forward to meeting you.



                                                           Paulo José Borges


domingo, 21 de janeiro de 2018

Poema da taxidermia (ou lazarento)


                                          
                                                                                        Jo 11, 43-44

tudo me pesa
tudo me sobrecarrega
tudo me é um jugo
                    (uma canga).

tudo à volta é novelo
auscultadores embaraçados
tudo sem ponta
tudo me enrosca
        me enrodilha
                    (um desperdício).

tudo me empalha
        me empareda
        me atrapalha me enreda
        me afunda
                     (embalsamado).



                                                                  Paulo José Borges