À barca, à barca segura,
barca bem guarnecida,
à barca, à barca da vida!
Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente.
barca bem guarnecida,
à barca, à barca da vida!
Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente.
Se porventura conceberes a ideia de
a ires levar à estação,
não temas Caronte -
- paga-lhe o óbolo em lágrimas de ferro.
No cais, como mortos, muitos esperam
o seu destino. Uns entram sem mais delongas,
despachando os entes queridos sem malas
a abanar. Outros entram alijando o lastro
e saem de novo como que enredados em
pesca de cerco. Os últimos, como que
desmemoriados, fazem vagas contas de
cabeça, indagando se será ainda
possível reaver o dinheiro da passagem.
Mas o homem do leme é implacável
e levanta o mastro encarnado para que
a barca levante ferro, (como as lágrimas,
não esqueças.)
É tempo de te armares guerreiro,
de sorrires com todas as cores,
porque, no fim de contas, não és tu
quem vai em campanha para o estrangeiro.
(Tu ficas no cais, não sejas parvo,
não baralhes os papéis.)
Sustenta a oxidada neblina que te toldar
os olhos quando a saída do comboio
for de um longo e largo comprimento.
Tempos mais tarde, se fores favorecido
pela potência da lírica, atravessarás
os portões de ferro e, no final da
tua fabulosa tournée, trá-la-ás contigo.
(Leva palas.)