quarta-feira, 20 de novembro de 2019

domingo, 3 de novembro de 2019

Sete vezes te amei minha cidade

Sete vezes te amei minha cidade
Primeiro foi a sofreguidão das conquistas
Procurei os teus lugares mais óbvios
Os de que tinha ouvido falar
E visto em fotos de revistas.

Da segunda vez já fui reconhecendo
Os recantos os tranquilos lugares
Depois de percorrer as avenidas apressadas
Parando em pedaços de pele
Em cotovelos em praças
E passagens estreitas entre duas almofadas.

Das vezes seguintes já havia os lugares
Eleitos as paragens obrigatórias
As bebidas lentamente saboreadas
Como de pão para a boca.
E tu foste ficando cada vez
Menos estrangeira minha via sinuosa
Tão estendida à minha beira.

Das últimas vezes não esqueci
Os teus lugares eleitos, mas surpreendi
Rugas em monumentos repetidamente cartografados
Transformaste-te em urbe menos luminosa
E as sombras foram espalhando pequenos
Presságios no mapa já cheio de vincos manuseados.

Foi por isso que à sétima vez
Gravei tudo nas minhas objetivas instantâneas
Para depois minha cidade te erguer
Este monumento em miniatura
Que devotadamente coloquei numa prateleira
Junto a um livro de uma velha aventura.


                                      Paulo José Borges




quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Também eu fui feliz para sempre

Sim
Às vezes com o indicador e
O polegar da mão direita
Procuro a aliança
No anelar da esquerda

Sim
Tento rodá-la como antigamente
Mas não acontece nada
(Já lá não está)

Sim
E depois


                                    Paulo José Borges




domingo, 13 de outubro de 2019

Não é fácil ser eu

Um dia fui horrivelmente mau.
Foi só uma vez
mas marcou-me profundamente.

Fui tão horrivelmente mau
que apaguei o erro da minha memória
já nem sei o que foi.

Vou ter de aprender a viver com isto.


                          Paulo José Borges

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O problema da habitação

diz-me onde moro
por favor, não estou a brincar.

eu olho para as paredes impermeáveis de árvores
para o chão de erva que grassa
para o céu que se evade constelado das cidades
e não reconheço o caminho.

diz-me onde moro
onde habito
onde resido
onde é o meu lar.

se eu soubesse podias ser minha na
morada.


                                        ©  Paulo José Borges

sábado, 24 de agosto de 2019

domingo, 18 de agosto de 2019

Inventário que nunca acaba

                                                                         para a menina F.
não sei que verso te ofereça
que te mereça,
que metáfora que comparação.

e a hipérbole não chega a ser digna
de uma tão grande afeição.

poderia enveredar pelo caminho seguro
do pleonasmo e da redundância
mas simplifico ainda mais;
chamar-lhe-ei a lista do coração:

meu amor
minha fofa
meu abraço limpo
meu beijo de seda
minha luz
minha dádiva
minha incredulidade de cada dia
meu riso solto
meu amável obrigado e por favor
meu sonho cor de rosa e também azul

meu amor - sim agora começa tudo de novo.


                                           Paulo José Borges

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Viver de aparências


Sucedia às vezes
à porta da estação de S. Bento
a minha mãe comprar chocolate sucedâneo.

Procediam de Espanha as tabletes 
com vago sabor a cacau
que entravam aos quadrados racionados
no comboio da nossa digestão.

Era uma ficção consentida
uma ensaiada suspensão da incredulidade.
Fazíamos de conta como crianças amestradas
pois representando bem era chocolate suíço.

Ora também Platão nos concebia como
sucedâneos de uma arquetípica criação.
E assim com estes últimos versos extraímos
uma importante lição.


                                                         Paulo José Borges

terça-feira, 2 de julho de 2019

Impasse de dança

o teu silêncio é música
o teu não adivinhado é música
o teu olhar
o teu impossível olhar é música
a tua voz é música
as tuas mãos música são
e bem assim o teu não.

mas o teu corpo é orquestra
nem me importo se ainda não é desta.


                        Paulo José Borges

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Com o Leviatã não se brinca

a minha dor tem sete cabeças
é uma serpente má e insinuosa
as espadas e arpões contra ela nada podem.

a minha dor
nem sei como vos conte
é uma Moby Dick do tamanho de bisonte.

vai mais fundo que o Nautilus
mas quando sente que a cura vem
põe-se a milhas ultramarinas.

o meu dragão marinho
é um monstro ingente,
uma hidra que me governa mas nem sempre.

às vezes lembra o monstro do lago Ness
às vezes esconde-se
às vezes aparece.

                                                Paulo José Borges

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terça-feira, 18 de junho de 2019

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Um dia todos verão

Tu és a minha praia.
Quando chego a ti descalço-me primeiro
Ponho-me à vontade.
Nem em minha casa ando descalço
Mas mais que minha casa
Tu és a minha praia.

É em ti que estendo a toalha ao chão
Desisto de me esconder
Conto-te tudo sem nada te dizer.

Tu és bem a minha praia.
Procuro encontrar-te de olhos fechados
Como quem ultra vê à flor da pele
E banho-me de sal, de sol, de ti
Meu protetor por inteiro.


                                Paulo José Borges

terça-feira, 28 de maio de 2019

Primeira dica para um jovem poeta

se queres que
a verdade te diga
diz aos que se escandalizam
com a tua dor
magoada ou fingida
(em versos de negrume e de breu)
que se querem esperanças
euforias e flores engrinaldadas
todos os dias
que comam livros
de auto-ajuda às fatias.

           com admiração e estima


                                    Paulo José Borges

domingo, 12 de maio de 2019

Ensino básico



É quando olho para ti
que finalmente entendo por que razão
a Física e a Química
fazem parte da mesma matéria.

                       Paulo José Borges

domingo, 21 de abril de 2019

Proposição, invocação e dedicatória

cantar
exultar
exaltar
glorificar
bendizer
louvar
enaltecer
honrar
homenagear
engrandecer
enobrecer
elogiar
sublimar
celebrar


                          Paulo José Borges

domingo, 7 de abril de 2019

Mudança da Hora

Quando o Amor vier
E já veio
Abre as portas todas
Do invólucro que habitas
E franqueia o Agora no teu seio.


                               Paulo José Borges


sábado, 23 de março de 2019

Lição sobre a mágoa




Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.
António Gedeão in Lição sobre a água


Este vazio é a mágoa:
em estado sólido
sem amor
é uma praça maior em Espanha
sem sombra nas esplanadas ao calor.

A mágoa geralmente
embora com exceções
é de etiologia incipiente.
Mas quando se instala
seca tudo à volta
como deserto à depressão normal.

As lágrimas da mágoa
podem ensaiar-se a frio
ou experimentar ao lume
que o resultado é sempre o mesmo:
um silêncio a boiar no negrume.

                    Paulo José Borges







sábado, 2 de março de 2019

Adoro quando me rotulas

Se não parto um prato
é porque não o parto.
Se falo perco a contenção.
Se calo se vai a ocasião.

Preso por ter cão
que não te pode morder.


                            Paulo José Borges

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Canteiro

                                                                                                    para a Andreia 


Quantas flores têm
os teus amores, 
quantas cores? 

               Quantos risos das crianças dos outros 
               habituadas a t’abraçar? 
               Quantos alvéolos dás aos seus ares 
               quando as inspiras a conta notas? 


Do húmus brotam anjos 
esvoaçando acrobacias e chilreios, 
de melo 
               dias com que os enfeitas. 




Paulo José Borges

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Para sempre

Morrem-nos pessoas por entre as mãos.
Morrem-nos pessoas como irmãos.

In extremis procuramos o seu resgate
do chão
colhendo os pretéritos mais do que passados para que não se esqueça quem
ainda são.

Restam-nos intermitentes memórias que para sempre perdurarão se ao olvido
não adicionarmos ingratidão.


                                                Paulo José Borges