domingo, 5 de julho de 2020

Se um poema bastasse

Se um poema bastasse
começaria com uma paisagem
semeada de socalcos, povoada de
amendoeiras, oliveiras e vinhas.
Uma inteira paisagem de se fechar os olhos
para a guardar na vista.
(Um banco de imagens para mais tarde
em S.O.S. usar .)

Verias o silêncio estender-se leitoso
como a estrada de Santiago à noite 
- uma imensa praia de estrelas -
por cima das cabeças (de cabelos contados)
dando a volta à terra.

Verias o silêncio sim também de dia
e alimentar-te-ias dele
nem que por vezes o nó na garganta te
queimasse dentro os rumores de agitação
em movimento.

Seguir-se-iam versos de apaziguamento
de abandono de tudo o que te pesa, e atrasa,
e enreda, e trama.
E se isto fosse bem feito, aqui chegada, não pedirias nada.
Não perguntarias nada. (Só se estivesses doente.)
Aceitarias apenas as carícias do sol,
o arrepio breve da brisa, o rumor de
montes, vales, planícies,
árvores, flores, ervas,
rios e pedras e de tudo o que existe e não sabe que existe
porque assim está certo e ponto final.

[Parágrafo]

Se o poema não servisse 
então o modo seria completamente outro
- olhar para dentro e olhar para o espelho que os outros são -
No centro encontrarás o cerne, 
nos outros a bondade que lhes dás, a alegria, a vibração, 
a dança, o abraço que revigora, o sorriso, o riso solto e nítido,
a comunhão que lhes ofereces.

E logo adiante, depois da curva da estrada, 
os rios correm, o sol aquece,
a brisa refresca, o verbo conjuga-se em todos 
os tempos, em todos os modos, em todas as pessoas.
Ámen.


                                                             Paulo José Borges





sábado, 25 de abril de 2020

Four / Twenty Five (esboço #46)

Abril encarnou na praça
uma canção cravejada de flores
e o povo saiu à rua
de lágrimas em punho.

O momento respirou fundo a recobrar alento
e acordaram todos felizes para sempre.


                                     Paulo José Borges

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Sweet little fifteen

para a menina J.                       
Foi ontem. Foi só ontem.
Foi agorinha.
Nove meses não te chegaram
Querias mais e re-voltaste-te até
Que te prendeste umbilicalmente.

E depois lá fomos o mais depressa possível
E muito devagar
Para tudo a bom Porto chegar.

E chegaste agora, minha querida.

Foi gente a mais no quarto
Eu sei, mas eras tu
E isso era notícia irresistível.

Um bocadinho antes de hoje
Tomei conta de ti sozinho como se
Soubesse tudo do que precisavas
E brincámos muito a tudo o que nos apeteceu
Como se soubéssemos o que nos queríamos.

No início de hoje, o teu dia, (daqui a nada é futuro),
Desejo que vás o mais depressa possível a onde tens de ir
Mas muito devagar.

Crescer é cresceres toda ao mesmo tempo
Sem pressa do tempo chegar.


                                                 Paulo José Borges