domingo, 5 de julho de 2020

Se um poema bastasse

Se um poema bastasse
começaria com uma paisagem
semeada de socalcos, povoada de
amendoeiras, oliveiras e vinhas.
Uma inteira paisagem de se fechar os olhos
para a guardar na vista.
(Um banco de imagens para mais tarde
em S.O.S. usar .)

Verias o silêncio estender-se leitoso
como a estrada de Santiago à noite 
- uma imensa praia de estrelas -
por cima das cabeças (de cabelos contados)
dando a volta à terra.

Verias o silêncio sim também de dia
e alimentar-te-ias dele
nem que por vezes o nó na garganta te
queimasse dentro os rumores de agitação
em movimento.

Seguir-se-iam versos de apaziguamento
de abandono de tudo o que te pesa, e atrasa,
e enreda, e trama.
E se isto fosse bem feito, aqui chegada, não pedirias nada.
Não perguntarias nada. (Só se estivesses doente.)
Aceitarias apenas as carícias do sol,
o arrepio breve da brisa, o rumor de
montes, vales, planícies,
árvores, flores, ervas,
rios e pedras e de tudo o que existe e não sabe que existe
porque assim está certo e ponto final.

[Parágrafo]

Se o poema não servisse 
então o modo seria completamente outro
- olhar para dentro e olhar para o espelho que os outros são -
No centro encontrarás o cerne, 
nos outros a bondade que lhes dás, a alegria, a vibração, 
a dança, o abraço que revigora, o sorriso, o riso solto e nítido,
a comunhão que lhes ofereces.

E logo adiante, depois da curva da estrada, 
os rios correm, o sol aquece,
a brisa refresca, o verbo conjuga-se em todos 
os tempos, em todos os modos, em todas as pessoas.
Ámen.


                                                             Paulo José Borges