terça-feira, 18 de julho de 2017

Poema do recado dos deuses

                                                                                                              para Alice Vieira

Será que eu sonho?
Será que eu choro?

Sou o rei sou o bobo
Tenho manto ceptro e coroa
Toucinho favas e boroa
Tenho caule flor                  espinho
Tenho chibata pancada pelourinho
Tenho o sol o ar                       o sal
Tenho razão tu é que vês mal
Confundi farinha com moinhos
Calcaste o sal e os carinhos.

Será que eu sonho?
Será que eu choro?

Sou um bobo sou real
Quanto custa a lua?
Quanto pesa o amor?
O que é que estou a pensar?
- Que os sonhos são pecados dos deuses.

Tiraste-me as palavras da boca.


                                                    Paulo José Borges

domingo, 9 de julho de 2017

Poema das doze casas

Nas minhas traseiras há
doze casas. Doze lares depois da fábrica abandonada.
Há a senhora que alimenta gaivotas como baratas
que me roubam o sono e pombos.
Alimenta gatos por uma tábua que lhes serve de ponte
levadiça e plantas.
Há a que recebe a família para almoços
buliçosos no pátio.
Há a que por cima atira sopas de pão às aves.
Há os que plantam ervas e legumes em vasos.
Há os cães.
Há a jovem miss Torso
mas com marido, ágil como uma bailarina.
Há a que vem fumar nos intervalos de um
lar de terceira idade ilegal.
(Há os outros que não contam para esta história.)

Há doze fogos sempre acesos nas traseiras
cujas chaminés não funcionam,
como saídas de emergência desativadas.
E frequentemente há o sol
cor de fogo quando foge.
Há por fim a chaminé de outra antiga fábrica
longa como uma interminável dor
que me aparta do meu afastamento.


                                                              Paulo José Borges

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terça-feira, 4 de julho de 2017

Poema quase emotivo

Pirâmides, Ópera, Louvre
Rivoli, Tulherias, mas
Palais Royal.
Da janela via-se em linha reta o
Sagrado Coração ao alto.
Serviam-se a si próprios em frente no Monoprix
Chez Paul.
Champs Élysées, Étoile, Arco do Triunfo,
Depois Orsay e outra vez Orsay como se fosse
uma estação central junto ao Sena.
Lafayette, Samaritaine, Halles
Mas muito Capucines, Madeleine, Vandoma.
Montparnasse patética ao largo de Eiffel e muito ao longe
la Défense à esquerda e
à direita Mitterrand.
Austerlitz, Bir-Hakeim. Sebastopol,
La Motte-Picquet.
Napoleão inválido
Dali, Picasso, Carnavalet, Villette, Marais, Vosges, Hugo,
Sorbonne, Luxemburgo
E Orsay.
E do outro lado Joana d' Arc a acenar aos ciclistas
Charles de Gaulle, Orly.



                                                                Paulo José Borges