terça-feira, 10 de setembro de 2019

O problema da habitação

diz-me onde moro
por favor, não estou a brincar.

eu olho para as paredes impermeáveis de árvores
para o chão de erva que grassa
para o céu que se evade constelado das cidades
e não reconheço o caminho.

diz-me onde moro
onde habito
onde resido
onde é o meu lar.

se eu soubesse podias ser minha na
morada.


                                        ©  Paulo José Borges

sábado, 24 de agosto de 2019

domingo, 18 de agosto de 2019

Inventário que nunca acaba

                                                                         para a menina F.
não sei que verso te ofereça
que te mereça,
que metáfora que comparação.

e a hipérbole não chega a ser digna
de uma tão grande afeição.

poderia enveredar pelo caminho seguro
do pleonasmo e da redundância
mas simplifico ainda mais;
chamar-lhe-ei a lista do coração:

meu amor
minha fofa
meu abraço limpo
meu beijo de seda
minha luz
minha dádiva
minha incredulidade de cada dia
meu riso solto
meu amável obrigado e por favor
meu sonho cor de rosa e também azul

meu amor - sim agora começa tudo de novo.


                                           Paulo José Borges

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Viver de aparências


Sucedia às vezes
à porta da estação de S. Bento
a minha mãe comprar chocolate sucedâneo.

Procediam de Espanha as tabletes 
com vago sabor a cacau
que entravam aos quadrados racionados
no comboio da nossa digestão.

Era uma ficção consentida
uma ensaiada suspensão da incredulidade.
Fazíamos de conta como crianças amestradas
pois representando bem era chocolate suíço.

Ora também Platão nos concebia como
sucedâneos de uma arquetípica criação.
E assim com estes últimos versos extraímos
uma importante lição.


                                                         Paulo José Borges

terça-feira, 2 de julho de 2019

Impasse de dança

o teu silêncio é música
o teu não adivinhado é música
o teu olhar
o teu impossível olhar é música
a tua voz é música
as tuas mãos música são
e bem assim o teu não.

mas o teu corpo é orquestra
nem me importo se ainda não é desta.


                        Paulo José Borges

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Com o Leviatã não se brinca

a minha dor tem sete cabeças
é uma serpente má e insinuosa
as espadas e arpões contra ela nada podem.

a minha dor
nem sei como vos conte
é uma Moby Dick do tamanho de bisonte.

vai mais fundo que o Nautilus
mas quando sente que a cura vem
põe-se a milhas ultramarinas.

o meu dragão marinho
é um monstro ingente,
uma hidra que me governa mas nem sempre.

às vezes lembra o monstro do lago Ness
às vezes esconde-se
às vezes aparece.

                                                Paulo José Borges

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terça-feira, 18 de junho de 2019