quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Também eu fui feliz para sempre

Sim
Às vezes com o indicador e
O polegar da mão direita
Procuro a aliança
No anelar da esquerda

Sim
Tento rodá-la como antigamente
Mas não acontece nada
(Já lá não está)

Sim
E depois


                                    Paulo José Borges




domingo, 13 de outubro de 2019

Não é fácil ser eu

Um dia fui horrivelmente mau.
Foi só uma vez
mas marcou-me profundamente.

Fui tão horrivelmente mau
que apaguei o erro da minha memória
já nem sei o que foi.

Vou ter de aprender a viver com isto.


                          Paulo José Borges

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O problema da habitação

diz-me onde moro
por favor, não estou a brincar.

eu olho para as paredes impermeáveis de árvores
para o chão de erva que grassa
para o céu que se evade constelado das cidades
e não reconheço o caminho.

diz-me onde moro
onde habito
onde resido
onde é o meu lar.

se eu soubesse podias ser minha na
morada.


                                        ©  Paulo José Borges

sábado, 24 de agosto de 2019

domingo, 18 de agosto de 2019

Inventário que nunca acaba

                                                                         para a menina F.
não sei que verso te ofereça
que te mereça,
que metáfora que comparação.

e a hipérbole não chega a ser digna
de uma tão grande afeição.

poderia enveredar pelo caminho seguro
do pleonasmo e da redundância
mas simplifico ainda mais;
chamar-lhe-ei a lista do coração:

meu amor
minha fofa
meu abraço limpo
meu beijo de seda
minha luz
minha dádiva
minha incredulidade de cada dia
meu riso solto
meu amável obrigado e por favor
meu sonho cor de rosa e também azul

meu amor - sim agora começa tudo de novo.


                                           Paulo José Borges

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Viver de aparências


Sucedia às vezes
à porta da estação de S. Bento
a minha mãe comprar chocolate sucedâneo.

Procediam de Espanha as tabletes 
com vago sabor a cacau
que entravam aos quadrados racionados
no comboio da nossa digestão.

Era uma ficção consentida
uma ensaiada suspensão da incredulidade.
Fazíamos de conta como crianças amestradas
pois representando bem era chocolate suíço.

Ora também Platão nos concebia como
sucedâneos de uma arquetípica criação.
E assim com estes últimos versos extraímos
uma importante lição.


                                                         Paulo José Borges

terça-feira, 2 de julho de 2019

Impasse de dança

o teu silêncio é música
o teu não adivinhado é música
o teu olhar
o teu impossível olhar é música
a tua voz é música
as tuas mãos música são
e bem assim o teu não.

mas o teu corpo é orquestra
nem me importo se ainda não é desta.


                        Paulo José Borges