sexta-feira, 7 de setembro de 2018

As duas estações

Da primeira vez que chegou à estação
vinha amarrotado do sono
mas espaireceu-o como quem sacode
uma fina camada de caspa
e seguiu com os amigos para o verão.

Da segunda vez anos mais tarde
já não se apeou do comboio na estação
mas desceu do autocarro todo
enrodilhado do enjoo.

A estação deixara de ser cais.
Tornara-se cemitério de passos
de lágrimas e risos
de partidas e chegadas
idas e vindas de almas permanentemente
alvoroçadas.
Nem locomotivas nem automotoras
nem carruagens nem vagões
nem carris nem travessas de madeira
que tanta falta faziam às caminhadas
junto à praia.
Sobrara apenas um edifício da estação
que vendia alimentos com a mesmíssima
e generosa fuligem de outrora.

E então pensou
se piso este solo abandonado não o profano?
se dou um passo hesitante não posso
ser trucidado por um comboio irremediavelmente
atrasado?

E então a desolação
desceu-lhe do peito às entranhas
como quando ela um dia deixou
de lhe telefonar, de lhe falar no messenger
de lhe responder aos emails
quando ao fim e ao cabo tornou obsoletas
todas as vias de comunicação.

                                                  Paulo José Borges


para ouvires a correspondência segue por aqui



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